sexta-feira, 14 de março de 2008

AS MINHAS ASAS


AS MINHAS ASAS

Almeida Garret

Eu tinha umas asas brancas,

Asas que um anjo me deu,

Que, em me eu cansando da terra,

Batia-as, voava ao céu.

– Eram brancas, brancas, brancas,

Como as do anjo que mas deu:

Eu inocente como elas,

Por isso voava ao céu.

Veio a cobiça da terra.

Vinha para me tentar;

Por seus montes de tesouros

Minhas asas não quis dar.

– Veio a ambição, co'as grandezas,

Vinham para mas cortar

Davam-me poder e glória

Por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,

Asas que um anjo me deu,

Em me eu cansando da terra

Batia-as, voava ao céu.

Mas uma noite sem lua

Que eu contemplava as estrelas,

E já suspenso da terra,

Ia voar para elas,

– Deixei descair os olhos

Do céu alto e das estrelas...

Vi entre a névoa da terra,

Outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,

Asas que um anjo me deu,

Para a terra me pesavam,

Já não se erguiam ao céu.

Cegou-me essa luz funesta

De enfeitiçados amores...

Fatal amor, negra hora

Foi aquela hora de dores!

– Tudo perdi nessa hora

Que provei nos seus amores

O doce fel do deleite,

O acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,

Asas que um anjo me deu

Pena a pena me caíram...

Nunca mais voei ao céu.

Almeida Garrett - Flores sem Fruto

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